°°° Estudo das dimensões de um problema didático no ensino
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Apresentarei reflexões a respeito das três dimensões (epistemológica, econômica e ecológica) do problema didático de números racionais na forma fracionária, em razão da importância do ensino dessa unidade de conhecimentos matemático desde as séries iniciais do Ensino Fundamental. Apoiando-se na Teoria Antropológica do Didático, apresento um estudo sobre a razão de ser de número fracionário a partir de um Modelo Epistemológico de Referência (MER) desse objeto matemático a partir do estudo de sua dimensão epistemológica. Evidencia-se a importância do Modelo Epistemológico de Referência construído no estudo das dimensões econômico-institucional e ecológica.
1. Evolução Histórica
A história do ensino de matemática está intimamente ligada à evolução das concepções pedagógicas. Desde os primórdios da civilização, os egípcios e babilônios desenvolveram sistemas numéricos rudimentares (BOYER, 1996). Na Antiguidade, a matemática era ensinada como um conjunto de regras fixas, sem preocupação com a compreensão conceitual (Boyer, 1991). Durante a Idade Média, o ensino de conceitos matemáticos era privilégio das elites eclesiásticas e voltado para a lógica aristotélica, com foco na dedução (KLINE, 1972). Com a Revolução Científica, o raciocínio matemático tornou-se essencial para o avanço do conhecimento. Apenas com o Iluminismo surgiu uma abordagem mais empírica, enfatizando a experimentação e a aplicação prática.
No século XIX, com a formalização da matemática, a educação matemática foi influenciada pelo positivismo e pela necessidade de formar cientistas e engenheiros, surgiram os primeiros debates sobre metodologia de ensino. Autores como Peano e Frege destacaram a importância da fundamentação lógica da matemática (Frege, 1884). No mesmo período, a obra de Poincaré enfatizou a intuição na aprendizagem matemática (POINCARÉ, 1908). Com isso, os primeiros modelos didáticos foram concebidos para equilibrar formalismo e intuição. No início do século XX, a matemática moderna emergiu, incorporando conceitos estruturais e formais, impulsionados por Hilbert e Bourbaki (Bourbaki, 1950). Essa mudança trouxe benefícios, mas também distanciou o ensino da realidade dos alunos.
Ainda no século XX, os estudos sobre ensino matemático ganharam caráter multidisciplinar. Piaget introduziu a perspectiva cognitivista na compreensão do desenvolvimento matemático (PIAGET, 1952). Vygotsky, por sua vez, enfatizou a importância do meio social no aprendizado (VYGOTSKY, 1978). Esse período consolidou bases teóricas fundamentais para a didática da matemática.
A partir da década de 1980, surgiram abordagens construtivistas e socioculturais, enfatizando a interação do estudante com o conhecimento (Piaget, 1973; Vygotsky, 1978). A teoria dos campos conceituais de Vergnaud (1990) reforçou a importância do contexto e da mediação didática. Esse período consolidou bases teóricas fundamentais para a didática da matemática. O avanço das tecnologias digitais também transformou o ensino, permitindo novas formas de representação e experimentação matemática.
2. Perspectivas Científicas
As abordagens científicas no ensino de matemática variam conforme as concepções epistemológicas e, são variadas e interdisciplinares. O realismo matemático, representado por Platão e Frege, considera a matemática uma realidade independente da mente humana (Frege, 1884). Por outro lado, o construtivismo de Piaget enfatiza a construção do conhecimento a partir da interação do sujeito com o meio (Piaget, 1973). A teoria sociocultural de Vygotsky destaca o papel da interação social na aprendizagem (Vygotsky, 1978).
A visão cognitivista, baseada nos estudos de Piaget, sugere que o aprendizado ocorre por estágios de desenvolvimento (PIAGET, 1952). A psicologia da educação, com Ausubel, destaca a aprendizagem significativa (AUSUBEL, 1968). O construtivismo defende que o aluno deve construir ativamente seu conhecimento matemático (VON GLASERSFELD, 1995). A perspectiva sociocultural enfatiza o papel da interação na aprendizagem. Vygotsky propôs a Teoria da Zona de Desenvolvimento Proximal para explicar como o aprendizado ocorre por meio da mediação social (VYGOTSKY, 1978). Nessa abordagem, os professores desempenham papel crucial no ensino matemático. Estudos contemporâneos indicam que a interação professor-aluno pode melhorar significativamente a compreensão dos conceitos matemáticos (SFARD, 2008).
A didática da matemática evoluiu para modelos mais sofisticados, como a Teoria das Situações Didáticas de Brousseau (1997). Esse modelo propõe que o ensino deve envolver situações-problema que incentivem a autonomia do aluno. Outro modelo relevante é o da Engenharia Didática de Artigue (2009), que enfatiza a experimentação e a validação empírica dos processos didáticos. Essas abordagens têm sido aplicadas em diversas pesquisas para aprimorar a prática docente.
Estudos recentes exploram a integração entre matemática e tecnologia, como a análise do uso de softwares matemáticos (Geogebra, MATLAB) na aprendizagem (Hoyles & Noss, 2003). Outra linha investiga os processos cognitivos envolvidos na resolução de problemas matemáticos (Schoenfeld, 1985). A neurociência educacional também tem contribuído para entender como o cérebro processa conceitos matemáticos (Dehaene, 1997).
A neurociência também tem contribuído para a didática matemática. Pesquisas indicam que diferentes áreas cerebrais são ativadas na resolução de problemas matemáticos (DEHAENE, 1997). Modelos neurocientíficos são cada vez mais utilizados para entender dificuldades específicas de aprendizagem. Essas abordagens complementam a teoria pedagógica ao oferecer dados empíricos sobre o processamento cognitivo matemático.
3. Enfoques Experimentais
A experimentação no ensino de matemática tem sido um elemento-chave para a inovação didática. Estudos demonstram que estratégias baseadas em resolução de problemas aumentam o desempenho dos alunos (POLYA, 1945). Modelos de aprendizagem baseados em jogos matemáticos também são eficazes (DEVLIN, 2012). Essas abordagens promovem maior engajamento e compreensão conceitual.
4. Modelo Epistemológico de Referência
O Modelo Epistemológico de Referência (MER) é fundamental para compreender os desafios do ensino matemático. Ele se baseia na ideia de que a matemática é um conhecimento historicamente construído (BACHELARD, 1938). Segundo esse modelo, a aprendizagem deve considerar os obstáculos epistemológicos existentes (CHEVALLARD, 1985). Dessa forma, os alunos precisam superar barreiras cognitivas e culturais.
A abordagem do MER destaca a importância dos paradigmas científicos. Kuhn propôs que o conhecimento evolui por meio de mudanças de paradigma (KUHN, 1962). No ensino matemático, isso implica uma revisão crítica dos conceitos fundamentais. A compreensão do MER permite uma abordagem mais reflexiva sobre a formação do pensamento matemático.
A implementação do MER exige estratégias didáticas inovadoras. Os docentes devem considerar as dificuldades históricas e cognitivas na aprendizagem (BROSSEAU, 1997). Além disso, a prática pedagógica deve estimular a reflexão crítica. Esse modelo epistemológico é essencial para uma abordagem didática eficaz.
5. Teoria Antropológica do Didático
A Teoria Antropológica do Didático, desenvolvida por Chevallard (1999), propõe que o ensino de matemática deve ser analisado dentro de um contexto sociocultural. Segundo essa abordagem, o conhecimento matemático é um produto social que se transforma ao longo do tempo. O ensino não deve ser visto apenas como transmissão de conteúdo, mas como uma prática inserida em instituições e condicionada por fatores externos. Dessa forma, o papel do professor é criar condições que favoreçam a interação entre os alunos e os objetos matemáticos.
Um dos conceitos centrais dessa teoria é o praxeologia, que estrutura o conhecimento matemático em tarefas, técnicas, tecnologias e teorias. A abordagem praxeológica permite analisar como os conceitos matemáticos são ensinados e utilizados em diferentes contextos. Dessa forma, o estudo das praxeologias ajuda a compreender os desafios da aprendizagem matemática. Essa perspectiva tem sido aplicada na análise de currículos e na elaboração de propostas didáticas inovadoras.
Outro aspecto relevante é a noção de transposição didática, que descreve como o conhecimento matemático passa de uma forma acadêmica para uma forma ensinável. Esse processo envolve simplificações, reformulações e adaptações, o que pode gerar desafios para professores e alunos. A compreensão da transposição didática é essencial para o desenvolvimento de estratégias pedagógicas eficazes. Dessa maneira, a Teoria Antropológica do Didático contribui significativamente para a melhoria do ensino da matemática.
6. Referências Bibliográficas
ARTIGUE, M. Didactique des mathématiques. Recherches et enjeux. Paris: La Pensée Sauvage, 2009.
AUSUBEL, D. P. Educational psychology: A cognitive view. New York: Holt, Rinehart & Winston, 1968.
BACHELARD, G. La formation de l’esprit scientifique. Paris: Vrin, 1938.
BOURBAKI, N. Éléments de mathématique. Paris: Hermann, 1950.
BOYER, C. B. A history of mathematics. Princeton: Princeton University Press, 1991.
BROUSSEAU, G. Theory of Didactical Situations in Mathematics. Dordrecht: Kluwer, 1997.
CHEVALLARD, Y. La transposition didactique. Grenoble: La Pensée Sauvage, 1985.
DEHAENE, S. The number sense: How the mind creates mathematics. New York: Oxford University Press, 1997.
DEVLIN, K. The Language of Mathematics. New York: Holt Paperbacks, 2012.
FREGE, G. Die Grundlagen der Arithmetik. Breslau: Koebner, 1884.
FREGE, G. The foundations of arithmetic. Evanston: Northwestern University Press, 1884.
HOYLES, C.; NOSS, R. Learning mathematics and digital technologies. London: Routledge, 2003.
KLINE, M. Mathematical thought from ancient to modern times. New York: Oxford University Press, 1972.
KUHN, T. The Structure of Scientific Revolutions. Chicago: University of Chicago Press, 1962.
PIAGET, J. The Child’s Conception of Number. London: Routledge, 1952.
PIAGET, J. To understand is to invent. New York: Grossman, 1973. SCHOENFELD, A. Mathematical problem solving. New York: Academic Press, 1985.
POLYA, G. How to Solve It. Princeton: Princeton University Press, 1945.
PONTES, Acelino. Prolegômenos à Nova Matemática. Fortaleza: Scientia Publishers, 2023. 232 p.
VERGNAUD, G. La théorie des champs conceptuels. Revue de Didactique des Mathématiques, v. 10, n. 2, p. 133-170, 1990. VYGOTSKY, L. S. Mind in society: The development of higher psychological processes. Cambridge: Harvard University Press, 1978.
Nota: Parte do texto foi produzida em sinergia com IA.
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Saddo Ag Almouloud
Saddo Ag Almouloud concluiu o doutorado em Mathematiques et Applications – Université de Rennes I em 1992 – França. Foi professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo de abril 1994 a março de 2020, e da Fundação Santo André de 2000 a 2020. Atualmente é professor da UFPA.
Foi professor visitante da UFBA, e é atualmente professor colaborador do Programa de Pós-graduação em Ensino, Filosofia e História de Ciências da UFBA. Consultor ad hoc da fundação de amparo a pesquisa do estado de São Paulo, da capes, Foi bolsista pesquisador de CNPq, foi coordenador do Programa De Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática da PUC-SP de 2007 a 2009 e de 01/08/2013 a 31/07/2017.
Foi vice coordenador do referido programa e coordenador do curso de especialização em educação matemática da PUC-SP de 2006 a 2017. Foi professor visitante da UFSC (2020-2021). Publicou mais de 50 artigos em periódicos especializados e mais de 83 trabalhos em anais de eventos. Possui mais de 10 capítulos de livros e 12 livros publicados. Possui 1 software e mais de 62 itens de produção técnica. Participou de vários eventos no exterior e mais de 112 no Brasil.
Orientou mais 80 dissertações de mestrado e teses de doutorado na área de educação matemática entre 1996 e 2019. Participou de mais de 200 bancas de defesa de dissertações e doutorados. Coordenou mais de 5 projetos de pesquisa. Atualmente coordena 2 projetos de pesquisa. Atua na área de educação, com ênfase em educação matemática.
É avaliador do prêmio Victor Civita desde 2013. Consultor ad hoc da FAPESP, CAPES e CNPq, é bolsista de pesquisa e produtividade do CNPq, editor chefe da revista educação matemática pesquisa do PEPG em educação matemática da PUC-SP e parecerista de várias revistas cientificas na área de educação matemática. Em suas atividades profissionais interagiu com mais 80 colaboradores em coautoria de trabalhos científicos.
De abril de 1994 a março de 2020, foi professor do Programa de Estudos Pós-graduados em Educação Matemática da PUC-SP. Em seu currículo lattes os termos mais frequentes na contextualização da produção científica, tecnológica e artístico-cultural são: ensino, aprendizagem, geometria, educação matemática, matemática, demonstração, ensino básico, formação de professores, geometria dinâmica, TIC.